De um i386 a projetos data-intensive
TL;DR: Da curiosidade de um pré-adolescente com um i386 rodando Windows 3.11 a liderar times e construir sistemas data-intensive. Uma caminhada cheia de bugs (no melhor sentido), aprendizados e viradas de chave.
Olá, seja bem-vindo ao meu blog. Este é um sonho antigo que já teve várias tentativas (agora vai). Quero um espaço pra realizar e compartilhar projetos sem me prender a um tema só, parafraseando Raul Seixas: isto aqui é uma metamorfose ambulante.
O começo: um i386 e o comando win
Minha história com computadores começou cedo. O primeiro que usei foi um i386 com Windows 3.11, quando você ligava ele, ele caía no DOS apenas, tinha que digitar win pra entrar no modo gráfico. O PC era emprestado de um tio, e depois de alguns meses, quando precisou voltar, meu pai comprou um usado pra ficar em casa. Era um Pentium II, que havia sido servidor de uma agência de publicidade, com placa-mãe de dois soquetes (uau!), mesmo sem eu saber pra que servia aquilo rs.
Lan house, MU Online e o primeiro “projeto de dados”
Aos 14, um amigo cuja família tinha uma lan house me chamou pra montar um servidor de MU Online. Contexto rápido: naquela época, a internet de alta velocidade em casa era rara, e rodar jogos modernos também exigia máquina parruda, coisa que poucos poderiam ter. Lan houses eram muito comuns, inclusive no interior de São Paulo, de onde venho. Ter um servidor próprio era um baita diferencial, pois dava pra customizar regras e atrair gente pra jogar ali.
Segui tutoriais, instalei o SQL Server, configurei tudo e batizamos o servidor de Mu Lekada (o nome rende risos até hoje). Após o sucesso neste projeto, fui convidado pra ser atendente da lan house, meu primeiro emprego!
Além dos gamers, conheci muita gente geek, foi um período muito legal. Mas algo que lembro de interessante, é que lá tinha um servidor Linux com Squid, o qual se me lembro bem, rodava uma das primeiras versões do Kurumin Linux, uma distro brasileira que também influênciou muito minha vida profissional, mas isso podemos deixar para outro post. Às vezes “resolver a internet” era simplesmente… reiniciar a máquina. Vai entender! Mas aquilo fez crescer um desejo ainda maior por esse tipo de aplicação. Ali nascia meu interesse por servidores, serviços e aplicações.
Motivado por esse sentimento, com 14 anos entrei num curso livre de Administração de Servidores Linux. Lembro de ser o mais novo da turma, e isso até chegou a gerar alguns comentários, algo que não dei muita bola na época, mas hoje acho curioso e explica bastante sobre mim. O professor era apaixonado por Linux, durante as aulas ele sempre falava de Patrick Volkerding (Slackware), Carlos Morimoto (Kurumin) e outras referências. Inspiração pura!
Polivalente e o “desafio do formulário”
Anos depois, entrei no curso técnico de Informática no Polivalente de Americana, uma escola de ensino médio e técnico do Centro Paula Souza. Essa foi uma das melhores escolhas que fiz, lá foi a base de toda minha carreira como desenvolvedor. Lembro que tive professores que marcaram, em especial o Billy, que dava aulas de Delphi e Java. Lembro de várias vezes, depois da aula, eu no ponto de ônibus e ele passando de Yamaha Drag Star preta e jaqueta de couro. Heavy metal puro! (Sim, ainda quero ter uma moto e uma jaqueta igual! rs)
Perto do fim do curso, ia rolar uma palestra de um dev Linux da região, pelo que me lembro era alguém ligado ao desenvolvmento do kernel do Linux ou alguma distro local, em outra palavras, um super-herói pra um moleque de 16 anos. O Billy lançou o desafio: alguém topa criar um site com formulário pra coletar os dados do sorteio do evento? Fiquei quieto alguns segundos… e topei. Só que eu sabia basicamente Delphi, e o que ele queria era web-site. Ele sugeriu PHP.
Lembro que na biblioteca da escola tinha um livro que basicamente foi meu guia, “PHP para quem sabe PHP” (acho que era esse o título). Algumas noites em claro depois, entreguei. aprender sozinho e na marra funciona, e dói um pouco. rs
Back-end de verdade
Depois disso, trabalhei por anos como desenvolvedor back-end, principalmente com PHP. Passei por agências de marketing da região, empresas de software para comércio local e até uma startup de e-commerce para pets.
2014: o encontro com o passado
Em 2014, precisei me recolocar, o projeto em que eu estava não seria renovado. Lembo que na época o cargo “Engenheiro de Dados” nem tinha hype em São Paulo, meio que ninguém comentava sobre isso, mas acredito que este seria o melhor termo para definir o meu desafio naquele momento. Voltei a um amor antigo: serviços, dados, sistemas que respiram eventos. Construir websites era legal, mas lidar com fluxos de dados e desafios de processamento e consequências de negócio era também muito desafiador.
Lembra do servidor do MU Online? Lembro que ele tinha logs mostrando, em tempo real o que cada usuário fazia no mapa, e isso era muito legal! Na Aunica, encontrei algo parecido, com pessoas reais: Analytics. Métricas de usuários em sites e apps, clientes grandes, muito dado. Era o boom das redes sociais, do marketing personalizado. O Big Data nascendo diante dos nossos olhos.

Equipe de Analytics da Aunica em 2016, durante a comemoração do BigoDay.
Na Aunica, um ano e alguns meses depois, virei líder técnico dos projetos de Analytics. Gestão de pessoas entrou no pacote: mais bagagem, novos desafios e aprendizados.
Medir o que importa: Dados na industria automotiva
Depois de quatro anos, veio o convite pra liderar tecnicamente projetos na então Fiat Chrysler, como terceio, através da MuchMore. O desafio: ajudar o marketing a mensurar o impacto dos investimentos. Em especial, provar o efeito dos sites na venda de carros zero km.
No Brasil, por força de lei, montadoras não vendem direto para pessoa física, quem vende são as concessionárias, empresas quais a montadora não pode ter nenhuma participação societária. O objetivo é nobre, pelo fato de Brasil não ter montadora de veículos locais, essa lei oferece maneiras de que os parte dos valores gerados na cadeia de produção e venda de veículos, também fique no país. Porém o desafio é que isso dificulta muito a coleta de dados, e depende de negociações e acordos entre montadoras de veículos e concessionárias para que haja compartilhamento de informações.
Resumindo cinco anos: começamos com nada, nem cloud contratada havia, e entregamos soluções que iam de otimização de campanhas a apoio ao atendimento em concessionárias. Em 2019, participamos de um hackathon do grupo para a América Latina, e entre mais de 100 projetos inscritos, ficamos em terceiro lugar!. Em um universo de manufatura, onde os projetos que mais destacavam tinham relação com gestão do estoque e linha de produção, um projeto de dados comportamentais que melhora conversão off-line se destacou e foi reconhecido. Orgulho demais de ter participado! :)

Apresentação da solução que conquistou 3º lugar no Hackathon FCA América Latina 2019.
Raízen e a engenharia em escala
Depois de uma passagem pela Cartão Elo como gerente de engenharia de dados, comecei minha jornada na Raízen, onde estou hoje. Lidero um time de ~20 pessoas. Já são mais de três anos de desafios técnicos e de gestão.
Nossa stack é fortemente open-source. Isso traz complexidade, e também liberdade. Prototipar rápido, evitar aprisionamento em uma única plataforma e ter espaço pra inovar faz diferença no nosso contexto.
A Raízen é horizontal por natureza, começa no agro, uma empresa que está presente no plantio de cana-de-açúcar, passa pela indústria de etanol e açúcar, e segue para distribuição e varejo. Cada frente tem maturidades e dores diferentes. É um campo de aprendizado contínuo, pra mim e pra todo o time.

Parte do time de Dados da Raízen em 2024, durante um encontro na sede em Piracicaba.
Do menino curioso do interior ao software engineer
Estas são apenas algumas lembranças e reflexões sobre minha carreira. Um dos pontos que mais me fazem gostar de ser desenvolvedor é poder transitar por indústrias muito diferentes. Já desenvolvi websites para ONGs, fiz projetos de migração de dados para indústria de porcelanato, PDV para lojas de tênis, captura de dados comportamentais para companhias aéreas e redes de supermercados multinacionais, e até integrações de dados para melhorar o desempenho de vendedores de combustíveis in-loco. A curiosidade me ajudou a entender um pouco de cada um desses mercados, empresas e processos, oportunidade que dificilmente eu teria em outras profissões.
Algo que nunca fez muito sentido pra mim é separar engenharia de software e engenharia de dados como profissões distintas. Em software já existem várias especializações, jogos, web, embarcados…, e nenhuma é tratada como outra profissão, são apenas especializações dentro da mesma área, sem precisar de nova nomenclatura. Com dados, deveria ser a mesma lógica.
No fim, é tudo projeto de software: modelagem de dados, tolerância a falhas, latência, throughput, observabilidade, custo, e as escolhas conscientes entre esses fatores. É assim que me identifico e quero continuar evoluindo: Software Engineer, com foco em sistemas data-intensive.